Se os ‘mecanismos de segurança’
acionados pelo Mundo Ocidental (liderados por uma aliança bastante evidente
entre os EUA, o Reino Unido e Israel) contra o terror podem ser descritos
através da articulação entre os ‘sistemas diplomáticos e policial-militar’,
tais como foram sistematizados por Michel Foucault em “Segurança, Território,
População”, isto acontece porque se observa tanto na América do Sul
(narcoterror) quando no Oriente Médio (terror islâmico) a presença, de um lado,
de uma ‘máquina de guerra’ e, de outro, a interferência de ações de ‘organismos
supranacionais’ (organização ecumênica)[1].
A partir de 2008, com a captura
de Reyes (o nº 2 das FARC) pelas forças colombianas e norte-americanas em território
equatoriano – a existência de uma ‘máquina de guerra’, como resultado de uma
espécie de ‘corrida armamentista’ (financiada pelo Plano Colômbia, como parte
de um estratégia contra narcoterrorimo) tornaram-se evidentes na América do Sul
e principalmente na Colômbia, que sedia algo em torno de sete bases militares
norte-americanos em seu território. Acrescente-se a presença da força naval
britânica no Atlântico-Sul, com o intuito de explorar o petróleo que contém
nesse arquipélago. Tanto a presença norte-americana quanto a britânica na
América do Sul realizam-se por forte impacto militar, o que suscita questões
diplomáticas não menos que os problemas eleitorais que emergiram em Pando na
Bolívia, com a reeleição de Evo Morales e principalmente com a continuidade de
Hugo Chávez no governo da Venezuela. De todo modo, na América do Sul, os
assuntos que dizem respeito ao narcotráfico e etc., tem sido debatido em fóruns
e blocos nacionais promovidos por órgãos como OEA, Unasul, CALC, Clube do Rio,
Mercosul.
Nesta perspectiva, entre os
dispositivos diplomáticos e policial-militares, o Oriente Médio tem sido alvo,
principalmente no Irã, de organismos ligados à ONU, no que se refere ao
desenvolvimento da energia nuclear. De tal sorte que em territórios com os da Palestina
(com o assentamento do Hamas na política da Cisjordânia e Faixa de Gaza, após
as eleições de 2006) e os do Afeganistão e Paquistão (com a territorialização
de grupos como a al-Qaeda e o Talibã), a militarização direta tem sido o
mecanismo de segurança usual adotado pelo mundo Ocidental, como ilustram as
capturas de Baradar em Karachi (janeiro /fevereiro de 2010) e o assassinato de
um líder do Hamas num hotel de Dubai, tendo por principal suspeito o serviço
secreto israelense, o Mossad. Certamente, o investimento diplomático-militar
promovido pelo mundo ocidental tem sido aplicado de maneira contínua na América
do Sul, contra o narcotráfico, e no Oriente Médio, contra o fundamentalismo
islâmico, em ambos os casos, trata-se da ‘guerra ao terror’ intensificada desde
2001 por W. Bush, após o atentado às torres gêmeas e ao Pentágono.
Aparentemente as relações que os EUA têm mantido com a América do Sul, destacam-se
por serem, em geral, mais diplomáticos que as estabelecidas no Oriente Médio,
no qual a guerra, as instituições militares e a jihad, parecem predominar.
Se os mecanismos de segurança
(diplomáticos e militares) tornaram-se cada vez mais definitivos e imanentes
aos atos de guerra pós-11 de setembro contra o terrorismo (narcotráfico e
islâmico), o que nos asseguraria uma análise deste tipo? Qual a relação que
esses mecanismos ou sistemas de segurança (diplomáticos e militares) possuem
com o pensamento filosófico-político produzido ao longo do século XX?
A exterioridade da máquina de
guerra, a partir da oposição entre os dois pólos da soberania política ou
dominação, funcionam em dupla alternância exprimem a divisão do Uno (na unidade
soberana)[2],
e é confirmada pela noologia (imagem
do pensamento), portanto, Deleuze e Guattari (1997):
Acontece criticarem conteúdos de
pensamentos julgados conformistas demais. Mas a questão é primeiramente a da
própria forma. O pensamento já seria por si mesmo conforme a um modelo
emprestado do aparelho de Estado, e que lhe fixaria objetivos e caminhos,
condutos, canais, órgãos, todo um organon.
Haveria portanto uma imagem do pensamento que recobriria todo o pensamento, que
consistituiria o objeto especial de uma ‘noologia’, e que seria como a
forma-Estado desenvolvida no pensamento. Esta imagem possui duas cabeças que remetem
aos dois pólos da soberania: um imperium
do pensar-verdadeiro, operando por captura mágica, apreensão ou liame,
constituindo a eficácia de uma fundação (muthos);
uma república dos espíritos livres, procedendo por pacto ou contrato,
constituindo uma organização legislativa e jurídica, trazendo a sanção de um
fundamento (logos) (p.43).
Trata-se de
verificar, então, de que modo uma análise dos ‘sistemas de segurança’ de Michel
Foucault em “Segurança, Território, População”, entre os diplomáticos e os policial-militares,
estão condizentes com certa condição epistemológica que se desenvolveu no
Ocidente moderno. De todo modo evidencia-se uma relação direta com “Aparelhos
Ideológicos de Estado” analisados por Louis Althusser[3],
entre os ‘aparelhos repressivos de Estado’ (ARE) e os ‘aparelhos ideológicos de
Estado’ (AIE), com estes mecanismos de segurança, embora as concepções
metodológicas sejam claramente distintas. Identifica-se uma “articulação
teórico-conceitual” não são entre os ‘mecanismos de segurança’ (diplomacia e
militares) com os aparelhos de Estado (ideológicos e repressivos), mas, sobretudo
entre o Estado e a ‘máquina de guerra’.
[1] A máquina de guerra pura forma de exterioridade,
enquanto o Estado pura forma de interioridade - “Uma organização ecumênica não
procede de um centro imperial que se imporia a um meio exterior para
homogeneizá-lo; ela não se reduz tampouco a relações entre formações de mesma
ordem, por exemplo entre Estados (SDN, ONU...). Ao contrário, ela constitui um
meio intermediário entre as diferentes ordens coexistentes. Assim como ela não
é econômica ou comercial exclusivamente, assim também ela é religiosa,
artística, etc. (...) Por exemplo, a religião monoteísta se distingue do culto
territorial por uma pretensão à universalidade. Mas essa pretensão não é
homogeneizante, ela só vigora à força de passar por toda a parte: assim é o
cristianismo, que não se torna império e cidade sem suscitar também seus
bandos, seus desertos, suas máquinas de guerra” Cf.: DELEUZE, Gilles &
GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo
e Esquizofrenia. São Paulo: 34, 1997:126-7.
[2] “Georges Dumézil, em análises decisivas da mitologia
indo-européia, mostrou que a soberania política, ou dominação, possuía duas
cabeças, a do rei-mago, a do sacerdote-jurista, Rex e Flamen, Raj e Brahma,
Rômulo e Numa, Varuna e Mitra, o déspota e o legislador, o cefeiro e o
organizador. (...) Note-se que a guerra não está incluída nesse aparelho. Ou
bem o Estado dispõe de uma violência que não passa pela guerra: ele emprega
policiais e carcereiros de preferência a guerreiros, não tem armas e delas não
necessita, age por captura mágica imediata, ‘agarra’ e ‘liga’, impedindo
qualquer combate. Ou então o Estado adquire um exército, mas que pressupõe uma
integração jurídica da guerra e a organização de uma função militar. Quanto à
máquina de guerra em si mesma, parece efetivamente irredutível ao aparelho de
Estado, exterior a sua soberania, anterior a seu direito: ela vem de outra
parte. Indra, o deus guerreiro, opõe-se tanto a Varuna como a Mitra. Seria
antes como a multiplicidade pura e sem medida, a malta, irrupção do efêmero e
potência da metamorfose. Desata o liame assim como trai o pacto. Faz valer um
furor contra a medida, uma celeridade contra a gravidade, um segredo contra o
público, uma potência contra a soberania, uma máquina contra o aparelho. (...) Sob
todos os aspectos, a máquina de guerra é de uma outra espécie, de uma outra
natureza, de uma outra origem que o aparelho de Estado”. Cf.: DELEUZE, Gilles e
GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo
e Esquizofrenia. São Paulo: 34, 12-3.
[3] ALTHUSSER, Louis. Aparelhos
Ideológicos de Estado. Rio de Janeiro: Graal, 1985.
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