sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013


I. Soberania e Resistência na Heartland: Latitude 30° Norte (do mar Morto ao Everest).

 

Se a geografia acabou por se tornar “um saber estratégico estreitamente ligado a um conjunto de práticas políticas e militares e são tais práticas que exigem o conjunto articulado de informações etremamente variadas (...). São tais práticas estratégicas que fazem com que a geografia se torne necessária, ao Chefe Supremo, àqueles que são os donos dos aparelhos do Estado”[1], por enquanto essa talvez seja uma questão que se manterá suspensa, no entanto, questiona-se: o que foi capaz de provocar, desde o início do século, de que a conquista do leste europeu e do Oriente Próximo seriam capazes de dominar a Heartland? Do mesmo modo, isto quer dizer que dominar a Heartland era o mesmo que dominar o mundo? Primeiramente, o que significa Heartland? Trata-se de uma hipótese geoestratégica proposta pelo Império Britânico que, mantendo-se no poder global, elaborou a do ‘poder terrestre’ por Halford Mackinder[2]. Para ele, o mundo se dividia em duas unidades: [1] no caso específico, a Eurasia, além de suas ‘regiões costureiras’ (ou ‘crescente marginal interno’) aglomerando as terras que circulam essa ‘Ilha Mundial’, constituindo-se nessa Heartland; [2] As áreas ‘marítimas’ (América, África ao sul do Saara, Austrália, Grã-Bretanha e Japão) corresponderiam ao ‘crescente externo ou insular’[3]. Posição estratégica que se estende do Himalaia ao ártico – de sul a norte – e do Volga ao Yang-Tzé – de leste a oeste.

Se o poder, neste sentido, repousaria na Heartland, então o que aconteceu com essa Ilha Mundial se trata exatamente do território da Rússia e da China? A que se propõe se refere, pois não a Heartland diretamente, mas a suas ‘regiões costeiras’ ou linha da ‘crescente marginal interna’, mais exatamente na latitude 30° norte, que se estende do mar Morto (entre Jerusalém e Jordânia) a uma distância de um pouco mais de 50.000 km até uma altitude superior a 8 000 m de altitude no Everest, nas cordilheiras do Himalaia (na fronteiras entre o Nepal e o Tibete, a oeste da China).

Descreve-se a ‘crescente marginal interna’, da seguinte forma, região costeira da Heartland precisamente na latitude 30° Norte, conectando nas extremidades entre dois pontos assimétricos, o ponto mais profundo do planeta com o mais elevado da superfície terrestre: o mar Morto e o Everest. De oeste a leste – ‘ambiente essencialmente desértico’:

a)      Região litorânea/costeira: Jerusalém – Jordânia;

b)      O planalto iraniano;

c)       Região montanha do Afeganistão e Paquistão;

d)      Cordilheira Tibetana.

 

Conflito Nuclear

O conflito nuclear que assombra as relações diplomáticas mundiais, atualmente polarizadas entre o Irã e os EUA, rememora os conflitos da guerra fria. Após a II Guerra Mundial, URSS e EUA travaram uma tensão que durou praticamente meio século.  Da hipótese de Mackinder até a década 1960 foi o suficiente para que entre os Estados da Ilha Mundial (URSS e China) criasse uma bipolarização com o mundo ocidental centrado basicamente na ‘corrida armamentista’, que tinha na energia nuclear o seu ponto mais forte. A eclosão de um ‘conflito nuclear’[4] em meado do século tornou-se tão possível, que os norte-americanos elaboraram planos para um primeiro ataque nuclear contra os soviéticos em confrontos militares diretos que poderiam se situar em qualquer parte do planeta, tal como em ‘conflitos locais’ como os que passaram ocorrer no Oriente Médio, com mais frequência.

Desse período até a queda do muro de Berlim, o problema nuclear parece apenas ter mudado de mãos, deixando de ser um problema exclusivamente rumo, para tornar-se um dilema islâmico; essencialmente iraniana. Na medida em que os conflitos mundiais passaram de um âmbito político (focalizado no ‘inimigo comunista’) para uma dimensão mais ‘cultura e religiosa’ (ligada ao ‘fundamentalismo’ islâmico), de meado do século passado até o início do atual, a questão nuclear parece ter apenas mudado de mãos e de territórios, dos comunistas aos islâmicos, da URSS para o Irã.

 

Hegemonia Global

O século XXI inicia com o atentado das torres gêmeas, sob uma espécie de ‘marco’ político que não só opõe os EUA (o mundo ocidental) em relação oposta ao ‘Islã’ como encontrar o motivo ou o estímulo para ocupar tanto o Iraque (a oeste do Irã) como o Afeganistão (a oeste do Irã), dadas as suspeitas de bombas de destruição em massa no Iraque e dos rumores sobre sua suposta relação com a rede terrorista afegã al-Qaeda (suspeita de conduzir os desastres de 11 setembro de 2011).

Se a primeira metade da década de 2010 foi marcada pela captura e execução de Sadam Husseim e, com efeito, da ‘implantação’ da democracia no Iraque, a segunda metade finalizar com a captura de Baradar, o número 2 do grupo afegão Talibã.

Nesta região costeira (Heartland), para os americanos alcançarem mais 50 anos de hegemonia global aproximadamente, a condenação de Sadam Husseim serviria apenas como um meio de passar do Iraque ao Irã, o que não tem sido nada fácil desde o fim da década de 1970, com a Revolução Iraniana motivado por aiatolá Khomeini, além da intensificação do processo de enriquecimento de urânio em suas usinas nucleares, que chegam atualmente a índices preocupantes para a ‘segurança mundial’. A ‘hegemonia americana’[5] depende, para a sua estratégia do controle das bacias de petróleo do Oriente Médio (entre tantos recursos naturais da região) não só do controle das iraquianas e das afegãs, mas de manter em curso o armamento dos sauditas e, assim, impor presenças militares na Ásia central suficientes para que se possa dominar a bacia do mar Cáspio, com tal sorte, alcançaria a região norte do Irã. Desta configuração regional de poder resta que as fronteiras iraquianas estão tomadas por tropas norte-americanas, ou seja, há ‘falcões a leste (no Afeganistão e no Paquistão) e a oeste (no Iraque), no entanto, o Irã acelera o seu armamento nuclear, alterando a hegemonia dos Estados Unidos no golfo Pérsico.

 

II. Dispositivos de Segurança

 

Acontece entre janeiro e fevereiro de 2010, alguns fatos ocorreram ao longo dessa latitude 30° Norte, de Israel ao Tibete, evidentemente passando pelo Irã, trata-se de verdadeiros ‘atos de guerra’: sucessivos, que envolveram um ‘campo de forças’ através de dois ‘dispositivos de segurança’: [1] diplomático e [2] policial-militar[6]. Através desses ‘atos de guerra’ que sucederam nos primeiros meses de 2010, por meio dessas ações e relações de poder, algum tipo de exame pode-se fazer acerca do desenvolvimento desse ‘sistema de segurança’ tendo por base esses dois tipos fundamentais de técnicas para a ampliação das forças do Estado (Diplomático e o policial-militar). De certo, esse duplo ‘mecanismo de segurança’remontam ao século XVII, aos acordos de Vestfália e o equilíbrio da força entre as nações européias[7], que resultou com a limitação de fora do estado mais forte, a equalização dos mais fortes e a combinação entre os mais fracos e os fortes o quanto possível. Deste modo, o desenvolvimento desses mecanismos de segurança como meio de ampliação das forças do Estado derivam desse período, a partir do século XVI-XVII, quando era possível pensar a paz proveniente de uma pluralidade de Estados em oposição à umidade da Igreja, desde a Idade Média. Resta que três instrumentos dessa ‘paz universal’, ainda precária, podem ser destacados: [1] a guerra de Estado; [2] o diplomático; [3] o dispositivo militar permanente.

[1] a política entre as noções substitui o princípio do direito que norteava as guerras medievais, ‘a política é a continuação da guerra por outros’ e principalmente a inversão deste aforismo de Clausewitz tornam-se o paradigma da ‘guerra de Estado’; [2] os instrumentos diplomáticos passam a ser mais usuais, desde os ‘tratados multicolaterais’, todo o tipo de ‘missões permanentes’ e a ampliação do fluxo no ‘sistema de informação dos Estados’ tornam-se meios para instituir pactos, acordos e contratos entre os Estados; [3] trata-se da organização de um ‘complexo político-militar’ a partir de um corpo de profissionais de guerra, armados e especializados; de uma estrutura permanente com tropas recrutadas ocasionalmente em tempo de guerra e a constituição de um saber (táticas e esquemas de ataque e defesa, tida reflexão sobre a prática militar).

Os acontecimentos no Oriente Médio e no sudoeste asiático podem ser examinados através da dinâmica deste duplo mecanismo de segurança derivado dos acordos de Vestfália: o diplomático e o militar-policial.

No dia 20 de janeiro de 2010 AL-Mahbouh (membro do Hamas, responsável pelo tráfico de armas do grupo) foi encontrado morto em Dubai, tendo por principal suspeito deste crime o Serviço Secreto de Israel, o Mossad, trata-se de um ‘instrumento policial’ de segurança, assim como instrumento militar norte-americano tornou a captura de Barabar (o número 2 do Talibã) em Karachi, no Paquistão, por volta do dia 10 de fevereiro de 2010.

O dispositivo diplomático não deixou de ser utilizado, mas de modo alternado com o militar-policial. De um lado, com o vazamento de um relatório da ONU (Organização das Nações Unidas) sobre o andamento do desenvolvimento do enriquecimento de urânio a 20% no Irã, divulgado na imprensa no dia 8 de fevereiro de 2010, o que provocou a intensificação das sanções por parte do AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) da ONU. De outro lado, o impacto que a visita de Dalai Lama faz à Casa Branca, no dia 18 de fevereiro de 2010, deixou o Ministério das Relações Exteriores da China a vontade para protestar publicamente contra Barack Obam. No entanto, o encontro com o líder budista reforçou na imprensa de todo o mundo as relações de aliança, aparentemente estáveis e cordiais, entre Tibete e Estados Unidos.

Uma vez identificada a preexistência destes dois mecanismos de segurança alinhados, em cada caso (Israel, Irã, Paquistão e Tibete) com uma intensidade e ritmo distintos, como então calcular ou redimensionar o desempenho das forças nestas ‘linhas de fratura’[8]? Em outras palavras, a partir destes instrumentos de segurança (diplomáticos e policial-militares) como ‘motores’ destes sucessivos ‘atos de guerra’[9], de que maneira pode-se calcular a ampliação das forças dos Estados ou sua retenção?

 

III. Cálculo de Forças

Para se elaborar um ‘cálculo de forças’ trata-se de  reconhecer que o Estado utiliza sistemas de segurança capazes de ampliar as suas forças, os dispositivos de segurança ‘clássicos’ (sec. XVI-XVII) são: diplomático e o militar-policial. Se uma ‘estratégia’ é definida pela conquista de um lugar, de um ‘próprio’[10], mas principalmente, um ‘recontro’[11] – dado o caráter espacializante das estratégias, da sua acepção ‘geoestratégica’ – este caráter não é o bastante para defini-la, porque a melhor ‘estratégia’ está em ‘ser sempre muito forte’, de tal sorte que a ‘lei geral’ da estratégia consiste em concentrar forças.

Provavelmente a estratégia do ‘recontro’ (da atividade de guerra mesmo ou dos combates) para atingir uma finalidade, isto é, trata-se de fixar um objetivo para os ‘atos de guerra’ correspondendo-os como finalidade. Trata-se de concentrar forças como estratégia para mover os ‘atos de guerra’ que devem possuir, em geral, pausas mais ou menos longas, ou seja, o ‘tempo de repouso e de espera’ deverá ser maior que o tempo da ação, por isso que, quando o ato de guerra pára é porque nenhuma das duas partes quer algo de positivo, o que produz certo ‘repouso’ ou um ‘estado de equilíbrio’. Mas quando um dos campos vier a alcançar um novo objetivo (positivo), a luta começa a avançar para alcançar tal finalidade, manifestando uma ‘tensão das forças’[12]. De um lado, ‘estado de repouso’, de outro, ‘estado de tensão’ são as ‘ações práticas’ que movimentam as tropas nas campanhas, produzindo acontecimentos como um estado de coisas em maior ou menor tensão a partir de um teatro da guerra[13], de um bunker, assumindo todas as características de um típico ‘ato de guerra’, Clausewitz (2003):

O teatro de guerra. Na realidade, esse termo designa qualquer parte do conjunto da zona de guerra cujos limites estão protegidos, e que, por esse fato, possui uma certa independência. Essa proteção pode consistir em fortalezas, em importantes obstáculos naturais, ou ainda na considerável distância que separa o local do resto da zona de guerra. (...) os acontecimentos de um só teatro de guerra (p.341-3)

Um cálculo de forças considera a estratégia e sua finalidade de alcançar mais forças, mas através dos impactos que sofre ao longo do tempo, das oscilações entre ‘estados de equilíbrio’ e ‘estados de tensão’, repouso e velocidade. De que forma um cálculo de forças pode ser pensando em termos de mecanismos de segurança? Toda vez que a predominância do ‘sistema diplomático’ ocorrer como um ato de guerra, certamente está-se diante de um ‘estado de equilíbrio’ ou de repouso.

Assim, o ‘sistema militar e policial’ promoverá um ato de guerra diretamente ligado ao ‘estado de tensão’. Trata-se da máquina estatal e seu mecanismo diplomático sob um estado de lentidão, ao mesmo tempo, de uma máquina de guerra mobilizando um estado de tensão, por velocidade e celeridade. Assim, a máquina de guerra se encarrega pelo fim e pela ordem mundial, enquanto os Estados tornaram-se objetos ou meios para a propagação da máquina de guerra. Clausewitz sustentou, ao contrário, o aforismo que diz: “a guerra é a continuação da política por outros meios”. De fato, Deleuze e Guattari não foram os únicos a inverterem o aforismo de Carl von Clausewitz, ao demonstrarem o modo pelo qual o Estado passou a ser o objeto ou meio de propagação da máquina de guerra. Há uma interessante abordagem sobre a inversão do aforismo de Clausewitz, Michel Foucault se dedicou ao tema “a política é a continuação da guerra por outros meios”, num curso intitulado “Em Defesa da Sociedade”, em 1976 no Collège de France.

O cálculo de forças resultante dos sucessivos atos de guerras no Oriente Próximo (de janeiro a fevereiro de 2010) parte da relação recíproca que existe entre os mecanismos de segurança e seus ‘estados’ específicos (repouso e tensão). Então, o assassinato do líder do Hamas em Dubai; a intensificação das sanções da AIEA (ONU) sobre o Irã; a captura de Barabar em Karachi pelos Estados Unidos e represália chinesa sobre os rumores que as ‘conversas’ entre Dalai Lama e Barack Obama suscitaram: todos esses atos devem ser calculados em relações de forças que se movimentam entre estados de repouso e de tensão, na medida em que resultam da ampliação da força derivada de sistemas diplomáticos ou militares de segurança. Através do cálculo de forças, o que se propõe compreender é a manifestação da ‘soberania e da resistência’[14] como a enunciação ou a expressão do movimento das máquinas estatal e de guerra (em repouso e em tensão), por meio de mecanismos de segurança ativados (acionados) ao longo da territorialização do teatro da guerra ou dos bunkers que perfilam, um a um, do mar Morto ao Everest, em parte, no entorno Heartland.

De que modo os atos de guerra proveniente da instrumentalização dos sistemas de segurança militar-policiais puderam causar um efeito de soberania? Como os sistemas diplomáticos de segurança foram capazes de promover um campo de aplicação, de resistência, entre os Estados do Irã e China? Em que medida as ações do Mossad e dos falcões (EUA) acabaram por criar um ‘estado de tensão’ que proliferou em Dubai e em Kurachi? Até que ponto as sanções da ONU e as queixas do Ministério das relações chinês resultaram de dois amplos ‘focos de resistência’ que, em ambos os casos, movem-se em ‘estado de repouso’, de um lado, em relação a político nuclear, de outro, no que se refere a autonomia tibetana?

 



[1] “A despeito das aparências cuidadosamente mantidas, de que os problemas da geografia só dizem respeito aos geógrafos, eles interessam, em última análise, a todos os cidadãos. (... ) Esse discurso pedagógico que é a geografia dos professores, que parece tanto mais maçante quanto mais as mass media desvendam seu espetáculo do mundo, dissimula, aos olhos de todos, o temível instrumento de poderio que é a geografia para aqueles que detêm o poder. Pois, a geografia serve, em princípio, para fazer a guerra”. Cf.: LACOSTE, Yves. A Geografia – Isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988, 22-3.
[2] “Quando, por exemplo, a política dos Estados Unidos com relação ao Iraque criou no começo de 2003 um vínculo de resistência entre a França, a Alemanha e a Rússia, e até com o apoio da China, tornou-se possível discernir os fracos contornos de um bloco de poder eurasiano que Halford Mackinder previra muito tempo atrás que poderia com facilidade dominar geopoliticamente o mundo”. Cf.: HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004:75.
[3] O poder terrestre (Halford Mackinder) e a Heartland e suas duas unidades: “O poder repousaria no Heartland, que denominou de pivô geográfica da História, devido à possibilidade de desenvolvimento autárquico, com base na extensão – do Himalaia ao Ártico e do Volga ao Yang-Tzé – nos recursos, na grande mobilidade interna possível na estepe com a ferrovia, e na sua condição de fortaleza natural. Tais condições lhe atribuíam uma posição estratégica: é inacessível aos homens do mar, mas a partir dele é possível chegar à costa, ao crescente externo”. Cf.: BECKER, Bertha K. A Geopolítica na Virada do Milênio: Logística e Desenvolvimento Sustentável. In: CASTRO, I. E. et alli (orgs). Geografia: Conceitos e Temas. Bertrand Brasil: Rio de Janeiro, 2003:278-9
[4] A loucura nuclear, conflito nuclear, tecnologia e guerra nuclear. Cf.: CAPRA, Fritjof. O Ponto de Mutação. São Paulo: Cultrix, 1993.
[5] O colapso financeiro e a hegemonia americana. Cf.: HARVEY, David. O Novo Imperialismo. São Paulo: Loyola, 2004.
[6] Aulas de 11 de janeiro – 18 de janeiro – 25 de janeiro (1977-1978). O estudo do biopoder – sistema de legal, mecanismos disciplinares e dispositivos de segurança. Cf.: FOUCAULT, Michel. Segurança, Território, População. São Paulo: Martins Fontes, 2008.
[7] Para a conservação da Força do estado criaram-se dois conjuntos  (dispositivos militar e policial) para a manutenção das forças (segurança), Michel Foucault em “Segurança, Território, População” descreveu: “(...) as novas técnicas de tipo diplomático-militar. (...) Quando os diplomatas, os embaixadores que negociaram o tratado de Vestefália recebiam instruções do seu governo, recomendavam-lhes explicitamente que agissem de tal modo que os novos traçados de fronteiras, as novas divisões dos Estados, as novas relações estabelecidas entre os Estados alemães e o Império, as zonas de influência da França, da Suécia, da Áustria, [que] tudo isso [fosse] feito em função de um princípio: manter certo equilíbrio entre os diferentes Estados da Europa” (p.399).
[8] “As guerras de linha de fratura são marcadas por freqüentes tréguas, cessar-fogos, armistícios, mas não por tratados abrangentes de paz que solucionam questões políticas fundamentais. Elas têm essa característica de pára-e-recomeça porque têm suas raízes em conflitos profundos de linha fratura, que envolvem relações antagônicas duradouras entre grupos de civilizações diferentes. Os conflitos, por sua vez, provêm de proximidade geográfica, religiões e culturas diferentes, estruturas sociais separadas e recordações históricas das duas sociedades”. HUNTINGTON, Samuel P. O Choque de Civilizações e a Recomposição da Ordem Mundial. Rio de Janeiro: Objetiva, 1997: 371.
[9] Acerca da suspensão do ato de guerra - “Se se considerar a guerra como um ato de aniquilamento recíproco, é preciso necessariamente supor que as duas partes estão em progressão geral; mas, para cada instante sucessivo, tem de se supor no mesmo momento e também necessariamente que uma das partes está em expectativa e só a outra em progressão (...). Com o tempo, produzir-se-á uma alteração, na sequência da qual o presente instante será mais favorável a um do que a outro”. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003:239.
[10] “Chamo de ‘estratégia’ o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito de querer e poder é isolável de um ‘ambiente’. Ela postula um lugar capaz de ser circunscrito por um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou científica foi construída segundo esse modelo estratégico” CERTEAU, Michel de. A Invenção do Cotidiano. Petrópolis: Vozes, 1990:46.
[11] “A estratégia é a utilização do recontro para atingir a finalidade da guerra. (...) Ela tem pois de fixar uma finalidade para o conjunto do ato de guerra que corresponda ao objetivo da guerra” (p.171). “O recontro é a atividade de guerra propriamente dita (...). Recontro significa combate, e o verdadeiro objetivo do combate consiste em aniquilar ou vencer o adversário”. CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003:257.
[12] Tensão e repouso – A lei dinâmica na guerra: “na maioria das campanhas, o tempo de espera e de repouso é maior do que o de ação (...) por pausas mais ou menos longas (...). Quando o ato de guerra pára, isto é, quando nenhuma das duas partes quer qualquer coisa de positivo, produz-se um repouso e, por conseqüência, um estado de equilíbrio. (...) Esta distinção (...) entre equilíbrio, tensão e movimento tem para a ação prática uma importância mais essencial do que à primeira vista possa parecer” CLAUSEWITZ, Carl Von. Da Guerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003:248. A partir desta concepção de ‘tensão’ e ‘repouso’ de Clawsewitz pode-se compreender uma ‘individuação sem sujeito’ ou hecceidade, acontecimento: latitudes (relação diferencial de força, potência) e longitudes (velocidade e lentidão, celeridade e repouso). DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs: Capitalismo e Esquizofrenia. São Paulo: 34, 1997.
[13] Durante as grandes guerras, talvez os mais recentes, os ‘teatros de guerra’ que podem melhor ilustrar, através de mapas, são o Teatro Ocidental (Nordeste e Mediterrâneo) de 1914 e o Teatro Ocidental em 1940. HART, B. H. Liddell. As Grandes Guerras da História (Strategy). São Paulo: Ibrasa, 1982.
[14] Entre “às sociedades de soberania cujo objetivo e funções eram completamente diferentes (açambarcar, mais do que organizar a produção, decidir sobre a morte mais di que gerir a vida” (p.219) e a arte, afinal “a arte é o que resiste: ela resiste à morte, à servidão, à infâmia, à vergonha (...). Quando um povo se cria, é por seus próprios meios, mas de maneira a reencontrar algo da arte (...) ou de maneira que a arte reencontre o que lhe faltava” (p.215). “(...) trata-se da constituição de modos de existência, ou da invenção de possibilidades de vida que também dizem respeito à morte (...). Trata-se de inventar modos de existência, segundo regras facultativas, capazes de resistir ao poder bem como se furtar ao saber (...). Mas os modos de existência ou possibilidades de vida não cessam de se recriar, e surgem novos. (...) Trata-se antes de um campo elétrico ou magnético, uma individuação operando por intensidades (tanto baixas como altas), campos individuados e não pessoas ou identidades” (p.116-7).“É certo que entramos em sociedades de ‘controle’, que já não são exatamente disciplinares. Foucault é com frequência considerando como o pensador das sociedades de disciplina, e de sua técnica principal, o confinamento (...). as sociedades disciplinares são aquilo que estamos deixando para trás (...). sociedades de controle que funcionam não mais por confinamento, mas por controle contínuo e comunicação instantânea. (...) Num regime de controle nunca se termina nada. (...) A cada tipo de sociedade, evidentemente, pode-se fazer corresponder um tipo de máquina: as máquinas simples ou dinâmicas para sociedades de soberania, as máquinas energéticas para as de disciplina, as cibernéticas e os computadores para as sociedades de controle. (...) as sociedades de controle ou de comunicação não suscitarão formas de resistência capazes de dar novas oportunidades a um comunismo concebido como ‘organização transversal de indivíduos livres’ (...). Talvez a fala, a comunicação, estejam apodrecidas. (...) É preciso um desvio da fala. (...) O importante talvez venha a ser criar vacúolos de não-comunicação, interruptores, para escapar ao controle. (...) ” (p215-7). DELEUZE, Gilles. Conversações. São Paulo: 34, 1992.

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