sábado, 9 de fevereiro de 2013


Himmler – a Máquina de Guerra e o Sul

 

Percebe-se no ocidente a reorganização de um campo de forças na psiquiatria forense e na medicina legal, para perceber a diferença, respectivamente entre o vivo e o morto. O problema é definir a posição do suicida, homem-bomba árabe e seu notebook, por exemplo, ou do ‘carrasco nazista’ e o ‘povo dos perversos’ – ‘sociedade de soberania’, adulto perverso, deixar viver e deixar morrer – que se suicidam quando entram no dispositivo do poder, ligados ao ‘robô esquizo assassino’ (Roudinesco: 2010). Ao produzir as estratégias da Al Qaeda e a definição da região como arte-fato (com hífen), Haesbaert de 2003 a 2012, a partir do “Mito da Desterritorialização” e dos “Dilemas da Região e da Regionalização na Geografia Contemporânea”, respectivamente, entre a vida e a morte de Osama Bin Laden no Oriente Médio, caracteriza a região não só como recorte do espaço desde o corpo humano (para a biologia e a Medicina), mas biorregiões – identidade biofísica e cultural, mas se trata de uma ciberjihad (hackers fundamentalistas) e da produção de um muselmann (muçulmano) (Agamben, 2008): “o intestemunhável tem nome. Chama-se, no jargão do campo, der Muselmann, o muçulmano” (p.49). Enquanto migravam judeus para o mundo todo ao longo das guerras mundiais no século XX, especialmente para Jerusalém.

Por um lado, percebe-se atualmente um artifício uma espécie de ‘truque’, o de Himmler’ em “Eichmann em Jerusalém” (Arendt, 1999), percebe-se a torção auto-reflexiva dos carrascos nazistas para suportar os atos horrendos que cometiam: “em vez de dizer ‘que coisas horríveis fiz com as pessoas!’, os assassinos poderiam dizer ‘Que coisas horríveis eu tive de ver na execução dos meus deveres, como essa tarefa pesa sobre meus ombros!” (Zizek, 2008:96). Por outro lado:

Adolf Eichmann e seu assistente embarcaram num trem, em Berlim, para visitar a Palestina: (...) para visitar Tel-Aviv e discutir a coordenação entre organizações alemãs e judias para facilitar a emigração judeus para a Palestina. Tanto os alemães quanto os sionistas queriam que o máximo possível de judeus se mudasse para a Palestina: os alemães queriam mais rápido possível para ficarem mais numerosos que os árabes. (A visita fracassou porque, em razão de algumas violentas agitações, os britânicos fecharam o acesso à Palestina; mas Eichamann e Polkes encontraram-se dias depois no Cairo e discutiram a coordenação entre as atividades alemãs e sionistas). Esse estranho incidente não seria o exemplo supremo de que nazistas e sionistas radicais tinham interesses em comum (Zizek, 2008:339).

Sobre a visita de Eichmann numa fazenda em Porto Alegre, em 1955, parece cumprir a ordem sobre os fluxos migratórios ao longo da segunda guerra para o Brasil. Sabe-se que desde o século XIX estes fluxos já persistem no sul do Brasil:

Nietzsche (...). Toma conhecimento da morte de Wagner, o que reactiva nele a imagem Ariana-Cosima. Em 1855, Elisabeth desposa Foerster; wagneriano e anti-semita nacionalista prussiano; Foerster irá com Elisabeth para o Paraguai fundar uma colônia de arianos puros. Nietzsche não assiste ao casamento e suporta mal este cunhado importuno (Deleuze, 1965:14).

Se percebermos que a ‘exclusão’ na História da Loucura de Michel Foucault (1961), quando os hospitais não existiam a ‘exclusão’ da loucura era a ‘morte’: nos leprosários e na peste. Quando as ‘naus dos loucos’ são ‘excluídas’ da Europa, ao final da Idade Média século XVI e XVII, não é forçoso compará-las às que chegam ao Brasil e ao ‘erro’ em direção às Índias. Essa concepção de ‘loucura’ no século XVII, época clássica, o desatino e a desrazão passam por uma espécie de “Jardim das Espécies”.

Trata-se de estratificar a loucura em três estratificações (de saber – visível e enunciável – e poder): 1] as naus dos loucos (XVI); 2] a loucura (século XVII); a medicalização (a partir do XIX), paralelamente as práticas dos leprosários (encastelamento) e da a cidade pestilenta. A Geografia e a ‘morte do homem’ – para trabalhar com as máquinas informacionais a partir da abordagem da obra de Michel Foucault e Gilles Deleuze & Félix Guattari parte-se dos enunciados ou do campo de forças do poder AZERT (máquinas francesas) ou QWERT (máquinas brasileiras), Deleuze em “Foucault” (2005):

“Assim como as letras que copio, AZERT, são um enunciado, embora essas mesmas letras, no teclado, não o sejam (...). Mas já pressentimos que AZERT, no teclado, é um conjunto de focos de poder; um conjunto de relações de força entre as letras do alfabeto na língua francesa. (...) A, Z, E, R, T (embora o teclado e as letras que aí estão indicadas não sejam elas mesmas enunciados, já que são visibilidades). (...) concluiremos que o enunciado tem necessariamente uma ligação específica com um lado de fora com ‘outra coisa que pode lhe ser estranhamente semelhante e quase idêntica. (...) Esse lado de fora informe é uma batalha, é como uma zona de turbulência e de furacão, onde se agitam pontos singulares, e relações de forças entre esses pontos. (...) É uma microfísica. (...) A cada estado atmosférico nessa zona corresponde uma diagrama das forças ou das singularidades tomadas nas relações: uma estratégia. Se os estratos são da terra, a estratégia é aérea ou oceânica. Mas cabe à estratégia atualizar-se no estrato, cabe ao diagrama atualizar-se no arquivo. (...) As forças vêm de fora, de um fora mais longínquo que toda forma de exterioridade. Por isso não há apenas singularidades presas em relações de forças, mas singularidades de resistência, capazes de modificar essas relações (...). É uma terrível linha que mescla todos os diagramas, em cima até dos furacões. (...) por mais terrível que seja essa linha de vida que não se mede mais por relações de forças e que transporta o homem para além do terror. (...) a linha forma uma fivela, ‘centro do ciclone’, lá onde é possível viver, ou, mesmo, onde está, por excelência, a Vida” (p.23-130).

 

Em “O Anti-Édipo” as máquinas desejantes, paranóicas e celibatárias, de todo modo, a relação entre o capitalismo e a esquizofrenia – a letra elétrica, esquizofrênica. O espaço pode ser definido como um sistema de objetos e ações (Santos, 2004) e o setor informacional percebido através de:

 

Um bit é definido como a quantidade de informação necessária para informar qual entre dois eventos equiprováveis foi o escolhido. O nome bit, uma contração da expressão ‘binary digit’, foi proposto, em 1970, por J. W. Tukey (1915-2000). [...] sugeriu a palavra ‘software’ para designar programas executáveis em calculadoras eletrônicas. [...] Shannon chamou H de entropia informacional, que é medida em bits por mensagem (ou bits por símbolo). [...] idêntica à fórmula da entropia termodinâmica escrita segundo a interpretação da Mecânica Estatística (Monteiro, 2011:432).

 

Portanto, para Virilio (1992) trata-se de uma “tripla a noção, até então binária, de intervalo: intervalo do tipo ‘espaço’ (signo negativo), intervalo do tipo ‘tempo’ (signo positivo) são conhecidos e, finalmente, o que é novo: intervalo do tipo ‘luz’” (p.102). Será que uma teoria é uma prática? Trata-se do meio natural, meio técnico, meio técnico científico informacional e da relação entre os Selvagens, Bárbaros e Civilizados. Em “Foucault”, Gilles Deleuze relacionou os estratos históricos às camadas sedimentares:

Os estratos são formações históricas, positividades ou empiricidades ou empiricidades. ‘Camadas sedimentares’, eles são feitos de coisas e de palavras, de ver e de falar, de visível e de dizível, de regiões de visibilidades e campos de legibilidades, de conteúdos e de expressões. [...] a clínica e a anatomia patológica acarretam distribuições variáveis entre ‘o visível e o enunciável’. Uma ‘época’ não preexiste aos enunciados que as exprimem, nem às visibilidades que a preenchem. São os dois aspectos essenciais: por um lado, cada estrato, cada formação histórica implica uma repartição do visível e do enunciável que se faz sobre si mesma; por outro lado, de um estrato a outro varia a repartição, porque a própria visibilidade varia em modo e os próprios enunciados mudam de regime (p.58).

 

Ao mesmo tempo da ‘Arqueologia das Ciências Humanas’, Renascimento (Similitudes), Época Clássica (Trabalho, Vida e Linguagem), Modernidade (Ciências Humanas): os agenciamentos coletivos de enunciação: pré-significante, significante, pós-significante e a ‘máquina de guerra’ contra-significante (fora ou capturada pelo Estado) podem ser respectivamente relacionadas.

 

Distinguem-se as sociedades de soberania das disciplinares, mas principalmente nas sociedades de controle, que funcionam a partir de máquinas informacionais, um livro é uma máquina de guerra – um nomos, muito diferente da lei, obtém com o Estado uma relação com o ‘fora’, antes de defini-la como o fora reduzido com a política externa nem como as grandes companhias (complexos industriais, formações religiosas, cristianismo, islamismo, profetismos ou messianismo, neoprivitivismos, bando de pilhagem ou pirataria), portanto não passa de uma organização comercial como um bando de pilhagem, ou seja, o ‘fundamentalismo hacker’ pode ser também assim definido: “uma máquina de guerra pode ser revolucionária, ou artística, muito mais que guerreira” (Deleuze e Guattari, 1995: 47).

 

No final do século XIX e início do século XX, com a ‘biopolítica’ e a ‘exclusão’ nos ‘campos de concentração’, com a perseguição dos judeus, com o ‘Holocausto’, não se percebe mais como a ‘exclusão deixou de se tornar uma ‘lei’ e não uma ‘morte’ apenas ou um abandono. Com o advento da medicina psiquiátrica, no século XX, produz-se pela ‘ordem’ ou ‘truque’ de Himmler fluxos migratórios para o Oriente Médio, na Palestina, mas percebe-se uma espécie de “Nova Des-ordem Mundial” (2006) através de ‘aglomerados de exclusão’ quando a ‘desterritorialização’ é rearranjada por meio de ‘artifícios cibernéticos’, não haveria de ser outro modo, como as redes ‘gaúcha’ e da ‘Al-Qaeda’, explicitadas por Rogério Haesbaert em “Conceitos e Temas” (1995), respectivamente nas teses sobre ‘redes terroristas’ islâmicas e gaúchas: “Des-territorialização e Identidade” (1997) e “O Mito da Desterritorialização” (2004). Questiona-se porque acionar essas ‘operações psicológicas’ numa ‘Ordem Mundial’ entre o Oriente Médio (Arendt) de judeus e porque ‘perseguições’, em artigos e livros (desde que compreendamos como ‘máquinas de guerra’ que capturam o fora), no ambiente geográfico e não no jurídico e político. Sabe-se que a informática e a cibernética não passam de ‘máquinas de visão’ jurídicas.

A máquina de visão tem sua origem nas técnicas policiais e judiciárias: a evolução das técnicas picturiais, arquitetônicas, fotográficas, videográficas, cinematográficas e informáticas (à distância). A percepção do olhar, do ver sem ser visto, o panóptico, a vigilância, o saber e o poder aparecem. Todas estas revoluções técnicas são frutos da modernidade, às voltas com o terror revolucionário (séc. XVIII-XIX), no momento em que a polícia carregava o “olho” como símbolo, mas ela mesma era uma polícia invisível, signo do próprio espião: investigar os espaços privados iluminando-os como eram iluminados os espaços públicos. Paul Virilio quanto a isto (1994:57) descreveu uma “investigação permanente no seio das próprias famílias, que faz com que toda informação e todo relato comunicado possam parecer perigosos, mas se tornar também armas pessoais paralisando cada um no medo mortal dos outros e de seu espírito de investigação”. O enunciado bem conhecido “tudo o que você disser pode ser utilizado contra você” retrata o perigo da comunicação numa investigação policial. Outro ponto importante no pensamento de Virilio é a convergência da função da luz na máquina de visão e na noção de velocidade. Luzes que iluminavam os espaços privados do mesmo modo que iluminavam os espaços públicos. À guisa de esclarecimento, para Virilio (1996:32) “a guerra seria antes uma perseguição policial em maior velocidade, em outros veículos”. A guerra e a relação policial passam por todas estas análises. Contextualizar o empreendimento da máquina de visão se faz necessário. A Revolução Francesa e sua comutação com as Luzes formam, por assim dizer, certo a priori, ou seja, um conjunto circunstancial para o objetivo do desenvolvimento técnico do “olhar”, de acordo com Virilio (1994:58-67):

Em 1789, a revolução profunda está lá, na invenção de um olhar público que visa uma ciência espontânea, uma espécie de saber em estado bruto [...]. “O período da Revolução Francesa se preocupava fortemente com a iluminação”, observava o coronel Herlaut. Como vimos, o público experimentava a imensa necessidade de outras luzes que não as do dia, luzes que, como as da cidade, não fossem mais produto da natureza ou do Criador, mas do homem iluminando o homem (no momento em que o ser do homem torna-se seu próprio objeto de estudo, o objeto de um saber positivo). [...] as técnicas policiais de abordagem multidimensional da realidade exerceram uma influência decisiva sobre a instrumentalização da imagem pública (propaganda, publicidade) mas também sobre o nascimento da arte moderna e a emergência do documentalismo... O adjetivo documentário (que tem uma característica de documento) será, aliás, incorporado por Littré no mesmo ano em que a palavra impressionismo, em 1789. “Ver sem ser visto” é um dos lemas da não-comunicabilidade policial. [...] O olhar lançado pelo pesquisador sobre a sociedade é eminentemente exterior a ela.

 

Sabe-se que vence uma guerra quem melhor controlar o ‘campo e o espectro eletromagnético’ (Virilio, 2000).  O que pensar a respeito do ‘fundamentalismo hacker’ (ciberjihad)? O que pode definir uma ‘rede territorial’ terrorista[1] e como sua relação com os estudos sobre a esquizofrenia se estabelece? No entanto, chama-se de “território zero, erradicação de qualquer possibilidade de significação por parte da pessoa adoecida, comum à experiência asilar” (p.87). A ‘máquina de Visão’ (Virilio: 1994) é provavelmente a evolução entre a datiloscopia e a computação (a cibernética), ou seja, o ciberespaço (aerorbital) como máquina jurídica[2].

Primeiramente, através da Psiquiatria Forense Brasileira, “o atentado ao World Trade Center (WTC), em Nova Yorque, em 11 de setembro de 2001, talvez o mais impactante ataque terrorista da história”, mas, em segundo lugar, “o terrorismo pode advir tanto de opositores ao governo quanto de seus supostos defensores, envolvendo uma estratégia político-ideológica” (Taborda, 2012: 499-500). O terrorismo tem sido referido de forma esparsa em leis penais especiais (p. ex., na Lei de Lavagem de Capitais – art. 1º, inciso II, Lei nº 9.613/98; e na Lei de Segurança Nacional – art. 20, Lei nº 7.170/83), entendida, pela doutrina, como excessivamente ampla pela Constituição Federal de 1988:

(...) a Polícia Federal tem provas de que al-Qaeda e outras organizações extremistas e terroristas islâmicas estão presentes e operando no Brasil, por meio da divulgação de propaganda, planejamento de atentados, financiamento de operações e aliciamento de militantes para redes terroristas. (...) desde 2001, o Brasil tem sido base de financiamento e centro de preparação de ataques, com enormes quantias de dinheiro enviadas para causas terroristas. (...)” (Taborda, 2012: 516).

Trata-se de uma ‘Máquina Trivial’ (cibernética) que se relaciona com a rede do CAPS, definida como ‘máquina esquizofrênica’: “cibernética seria uma teoria das mensagens mais ampla que a ‘teoria da transmissão de mensagens da engenharia elétrica’ (...) cybernetics derivado do grego kubernetes, palavra utilizada para denominar o piloto do barco ou timoneiro, aquele que corrige constantemente o rumo do navio para compensar as influências do vento e do movimento da água”, além do sentido de controle “reforçado pela correspondência que kubernetes tem o latim gubernator, a máquina leme utilizada em navios seria um dos mais antigos dispositivos a incorporar os princípios estudados pela cibernética” (Kim, 2004:200). As redes de ações (além-mar) do Caps devem fazer parte desse tipo de cibernética:

(...) somando-se aos conceitos de território, sabemos que tais serviços comunitários (Caps) ancoram-se não apenas na estrutura física que os comporta ou mesmo na equipe e projeto que os asseguram, mas no azeitamento das relações intra-equipe, na pulverização estratégica das ações além-mar, ou seja, fora de seu espaço geográfico. Deve ser sim articular a rede, definir ingerências irradiando-as como polo de excelência de interseção (...) como espaço que tece a rede de ações em diversas áreas necessárias ao funcionamento mais pleno (Stockinger, 2007:98-9).

Descreve-se a ‘ordem através das flutuações’ e estruturas dissipativas’ segundo as leis da termodinâmica e da cibernética e a ‘rede de ações’ e como elas podem estar articuladas na pulverização além-mar:

Enquanto a primeira cibernética apoiou-se nos avanços conceituais decorrentes da segunda lei da termodinâmica, ou seja, aos processos negentrópicos destinados a reverter a tendência inevitável à desordem, ao caos e à destruição dos sistemas deixados ao léu (entropia), a segunda cibernética relevou restrições à tese mecanicista, aproximando-se de Prigogine e de seu conceito sobre ‘ordem por meio da flutuação’, Prigogine e Stengers (...) quando o sistema de redução de desvio deixa de funcionar ou quando questões evolutivas ou contextuais tornam-se insistentes ou intensas, apresenta-se uma bifurcação para o sistema, configurando a possibilidade de saltos qualitativos. Seriam as ampliações de flutuações que fluem para estruturas dissipativas que mantêm uma coerência interna com sistema. Desta forma, tornou-se possível explicar as mudanças descontínuas, resultantes das escaladas de ampliação do desvio e consequente reorganização do sistema. (...) a garantia de independência entre observador do sistema e sistema observado (Stockinger, 2007:90).

 

Antes de tudo, Deleuze e Guattari (s/d) definiram, portanto, a esquizofrenia como uma máquina descodificada e desterritorializada, assim como a histeria e a paranoia a uma máquina territorial:

O capitalismo tende para um limiar de descodificação que desfaz o socius em benefício de um corpo sem órgãos e que (...) liberta os fluxos do desejo num campo desterritorializado. Será exato dizer (...) que a esquizofrenia é o produto da máquina capitalista, como a mania depressiva e a paranóia são produtos da máquina despótica, ou como a histeria é o produto de uma máquina territorial” (p.37). Não resta dúvida que “três milhões de pontos por segundos transmitidos pela televisão, de que apenas se retêm alguns. A linguagem elétrica não passa nem pela voz nem pela escrita: a informática – ou essa disciplina chamada fluída que funciona por jatos de gás – dispensam-nas; o ordenador é uma máquina de descodificação instantânea e generalizada (p.251).

Assim, Stockinger (2007) relacionou a autopoises[3], a morfoestase a uma ‘máquina trivial’, quando descreveu a Reforma Psiquiátrica Brasileira:

(...) conceito de Autopoiese, serve-nos citar as compreensões acumuladas pela cibernética de primeira ordem e pela de segunda. (...) com o intuito de manter sua organização, através de mecanismos de regulação e controle. Nesse sentido (...) afirma que o sistema, afetado por interveniência eternas e internas era compreendido como uma máquina trivial, fosse ele um ser biológico, uma máquina ou um sistema social. (...) E tal sistema seria corrigido, quando do andar fora de seus objetivos, pela retroalimentação negativa, ou seja, a qualidade de informação recursiva que punha novamente o sistema em estabilidade, numa morfoestase. Contudo, a sobrevivência dos sistemas não depende somente da capacidade de morfoestastase, mas sim de ser capazes de modificar suas estruturas básicas para adaptarem-se às mudanças do meio. Tal processo, advindo da cibernética de segunda ordem, passou a ser chamado de morfogênese, que induzido pela retroalimentação positiva estenderia os limites pela retroalimentação positiva estenderia os limites do desvio, de forma que o organismo, adaptando-se ao contexto, pudesse sobreviver (p.89-90).

Percebe-se que a cibernética esteve ligada, não só a rede de ações do CAPS, mas à programação de controle para artilharia antiaérea[4], que pode ter ativado os atentados aéreos e o caos aéreo no Brasil e no mundo, Europa e Estados Unidos, na primeira década do século XXI, entre outros da atualidade:

O campo que Wiener designa de ‘cibernética’ teve início durante os esforços relacionados com a II Grande Guerra, quando ele realizou pesquisas com programação de máquinas computadores e com mecanismos de controle para artilharia antiaérea. (...) estudo de um sistema elétrico-mecânico que fosse desenhado para usurpar uma função especificamente humana: a execução de um complicado padrão de cálculo em um caso e a previsão do futuro, no outro. A ‘previsão do futuro’ a que Wiener se refere, neste caso específico, é a capacidade de se prever a trajetória de uma aeronave, a fim de que o projétil do canhão antiaéreo encontre-se com o alvo em ‘algum momento do futuro’(Kim, 2007:201).

Se as redes de ações do Caps estão ligadas à cibernética e a estratégias além-mar, percebem-se diretamente ‘sistemas de radares’ (microondas, usada também para ‘controle mental’, em equipamentos como o Haarp) e que não deveriam estar ligados a atentados antiaéreos:

Os sistemas de Radar (do inglês Radio Detection And Ranging, detecção e localização por rádio) foram a primeira aplicação tecnológica dessa faixa de frequências, desenvolvida durante e logo após a segunda guerra mundial, com o objetivo de aprimorar a navegação aérea e localizar aeronaves inimigas. O uso de comprimentos de onda menores que os de rádios, usados até então, se mostrou mais conveniente, por apresentar menos efeitos de difração e permitir melhor propagação dos sinais enviados. Os radares de microondas são extensivamente usados até hoje em dia na navegação aérea e marítima comerciais, pois nessa faixa de frequências os sinais se propagam satisfatoriamente, mesmo em más condições climáticas, como chuvas, presença de nuvens ou poeira, que absorvem ondas frequências maiores. As frequências designadas para radares estão entre 5 GHz e 6Hz. Num sistema de radar, uma onda direcional é enviada até um objeto, reflete-se na superfície do objeto e retorna, sendo detectada pelo mesmo equipamento que enviou. A análise do feixe refletido fornece informações sobre a posição do objeto, sua distância até o equipamento emissor e, no caso de objetos móveis, sua velocidade com relação ao emissor (Carvalho, 2005:38).

Percebe-se a junção de dois pontos, um ponto é interno, a propulsão das técnicas de visão na origem policial da instrumentalização da imagem, e um ponto é externo, as condições em que a Revolução Francesa se situou frente a necessidade de inventar um olhar público. Há, também, a recorrência da arqueologia das ciências humanas foucaultianas e sobre o panoptismo em Surveiller et Punir. Se as condições internas da revolução influenciaram o documentalismo e o impressionismo, como que as técnicas policiais foram capazes de influenciar a arte impressionista? Indubitavelmente a impressão digital é uma técnica de visão policial, enquanto o impressionismo é uma arte pictural das artes plásticas. Historicamente, Virilio (1994:67) refletiu sobre a impressão digital, uma técnica óptica à serviço das relações policiais de poder:

 

É, por exemplo, um funcionário inglês em Bengala, sir William Herschel, que exige a partir de 1858, que todos os objetos relativos aos indígenas fossem marcados com a impressão de seu polegar. Cerca de trinta anos mais tarde, sir Edwald Henry compõe uma classificação datiloscópica que foi adotada em 1897 pelo governo britânico. A utilização das impressões como sinal de identificação era corrente no extremo Oriente [...] desde o século VIII. Os europeus vão usar a datiloscopia de forma completamente diferente: a impressão será vista como uma imagem latente, a tiragem fotográfica e suas manipulações assumindo aqui todo o seu sentido e se falará destas realidades imutáveis que são as impressões digitais e mais tarde os poros da pele (poroscopia) de um indivíduo morto ou vivo. “Mais vale uma impressão digital encontrada nos locais do crime do que a própria confissão do culpado”, escreve o oficial judiciário Goddefroy.

 

A datiloscopia proporcionará o declínio de todo tipo de inventário (das narrativas, testemunhas e descrição modelada), os interrogatórios eram base de tantos textos romanescos dos séculos anteriores serão refutados ao serem introduzidas as técnicas de datiloscopia como prova na instituição policial. A tiragem fotográfica servirá de técnica acessória importantíssima para as indubitáveis e imutáveis impressões digitais.

Aparentemente estes ‘artifícios cibernéticos’ (desterritorializados) acionam ‘operações psicológicas’ quando se tratam de fluxos migratórios. Principalmente nas sociedades de controle, que funcionam a partir de máquinas informacionais, um livro é uma máquina de guerra – um nomos, muito diferente da lei, obtém com o Estado uma relação com o ‘fora’, antes de defini-la como o fora reduzido com a política externa nem como as grandes companhias (complexos industriais, formações religiosas, cristianismo, islamismo, profetismos ou messianismo, neoprivitivismos, bando de pilhagem ou pirataria), portanto não passa de uma organização comercial como um bando de pilhagem, ou seja, o ‘fundamentalismo hacker’ pode ser também assim definido: “uma máquina de guerra pode ser revolucionária, ou artística, muito mais que guerreira” (Deleuze e Guattari, 1995: 47).

Se Haesbaert (1993) persegue os aglomerados de exclusão (redes do tráfico humano, redes do crime organizado, rede das drogas e rede gaúcha, e mais recentemente a medicina e a ‘arte’, ou a região arte-fato ou artifício) através da desterritorialização (capitalismo informacional e esquizofrenia). Trata-se de uma ‘redundância de ressonância’ quando ‘o significante’ (frequência) e ‘a subjetivação’ (ressonância) parecem inverter ou converter os planos de composição e de organização, segundo Deleuze e Guattari (1992):

“O regime significante do signo ( o signo significante) possui uma fórmula geral simples: o signo remete ao signo, e remete tão somente ao signo, infinitamente. (...) o símbolo em uma remissão constante do signo ao signo. O significante é o signo redundante com o signo. Os signos emitem signos uns para os outros. (...) Os signos não constituem apenas uma rede infinitamente circular. O enunciado sobrevive a seu objeto: o nome, a seu dono” (p.63)

 

A paranóia está o elemento despótico (regime significante) – a beatice, onde reside a trapaça e não o segredo: ‘o supliciado’ é o primeiro passo antes da ‘exclusão’: “matar-se-á e se fará fugir o que pode provocar a fuga do sistema” (p.67), mas no “regime pós-significante” que se opõe um procedimento original ‘subjetivação’: “no começo do século XX, a psiquiatria, no auge de sua agudeza clínica, encontrou-se diante do problema dos delírios não-alucinatórios, com conservação de integridade mental, sem ‘diminuição intelectual’’. Havia um primeiro grande grupo, o dos delírios paranóicos e de interpretação (...). esboçado na Monomania de Esquirol [...] e no delírio passional de Clérambault[...] o monomaníaco, o reivindicador passional é, o mais frequentemente, oriundo das classes rurais e proletárias, ou de casos marginais de assassinos políticos” (p.73). Regime passional ou de subjetivação ‘judeus em oposição aos impérios’; ‘filosofia cristã’ e a psiquiatria do século XIX: “o Eu como sujeito de enunciação, designando a pessoa que enuncia e reflete seu próprio uso no enunciado [...] enfim o eu como sujeito de enunciado, que indica um estado que se poderia sempre substituir por um Ele [...] o capital é um ponto de subjetivação por excelência” (p.84-5). Signo que se rebate ao signo e sujeito de enunciação que se rebate sobre o sujeito de enunciado – ‘o eu’.

Os regimes de signos do trabalho (psiquiatria e a medicina do trabalho) e passionais ficam no mesmo lugar que as frequências despóticas. Como se a ‘sociedade de soberania’ pudesse se colocar entre a ‘sociedade de controle’ e a ‘sociedade disciplinar’. Se as ‘frequências’ são correspondentes à soberania e as ‘ressonâncias’ ao regime passional (trabalho e família), produz-se o ‘crime’, na sociedade de soberania, organizado como ‘aglomerado de exclusão’ nas desterritorialização ciberespaço (sociedade de controle). Portanto, as ‘redes’ são produzidas dentro da sociedade e o des-controle torna-se patente: uma espécie de ‘máquina de guerra’ contra-significante. Em toda a obra de Rogério Haesbaert de ‘reterritorializar’ (soberania) na desterritorialização (controle) enuncia a in-segurança no espaço cibernético ou eletromagnético (entre frequências e ressonâncias).

“Eu é um outro” verso conhecido e polêmico  do  poeta  francês Rimbaud[5], que atualmente se faz necessário por sua ínfima e tênue demarcação do “si” e por um (re)significativo acoplamento na alteridade. Um verdadeiro território existencial perdido no ego pelo reencontro com a diferença e com o outro, o próprio ato de se  desdobrar,  a  duplicação   do   duplo,  a  redundância  pela  ressonância.  A alteridade é um conceito psicanalítico que se corresponde aqui, aos outsiders e aos outros. Entre o Boden (o solo do Estado, segundo Ratzel) e esta definição de território, mais do que pontos em sequência linear, há uma distância política entre um conceito e o outro. “Um limite, uma alteridade: diferença entre ”nós” (o grupo, os membros da coletividade ou “comunidade”, os “insiders”) e os “outros” (os de fora, os estranhos, os “outsiders”)”. À primeira vista o território determinaria o nacionalismo, até mesmo o fascismo, o nazismo e a xenofobia, práticas comuns a muitos Estados Modernos. Luta de raças entre nós de uma mesma comunidade e os outros, estrangeiros que carregam torrões desterritorializados de sua terra natal... Em relação ao racismo e a xenofobia, Deleuze e Guattari (1996; p.45) problematizaram que “o racismo europeu como pretensão do homem branco nunca procedeu por exclusão nem atribuição de alguém designado como Outro [...]. Do ponto de vista do racismo, não  existe  exterior,  não  existem  as  pessoas de fora.  Só existem pessoas que deveriam ser como nós, e cujo crime é não o serem”. O território determina um limite em que se coloca a comunidade, mas desde que “nós” não demarquemos uma diferença em relação à alteridade (entre judeus, árabes, negros, loucos). Sequer admite-se certa alteridade. O que poderia ser, então, esta alteridade, este outro, este “outsider”?

Cristalizar e atualizar estas minorias numa espécie de desaceleração, percebendo que as classes talham-se nas massas, as cristalizam, enquanto as massas não param de vazar, de escoar das classes, linhas de fuga em desterritorialização. Enquanto a variável classe busca adicionamentos, as variáveis de massas subtraem-se das classes. Resguardando as devidas relações entre o molar e o molecular, o macro e o micropolítico, Deleuze e Guattari (1996;p.102) definiram os comportamentos moleculares, de massa:

 

Os movimentos de massa se precipitam e se revezam [...] mas saltam de uma classe a outra, passam por mutações, exalam ou emitem novos quanta que vêm modificar as relações de classe, questionar novamente sua sobrecodificação e sua reterritorialização, fazer passar noutro lugar linhas de fuga. Há sempre um mapa variável das massas sob a reprodução das classes. [...]1) Uma linha relativamente flexível de códigos e de territorialidades entrelaçados [...] uma segmentaridade dita primitiva, na qual as segmentações de territórios e de linhagens compunha o espaço social. 2) Uma linha dura que opera [...] a concentricidade dos círculos em ressonância [...] o espaço social implica aqui um aparelho de Estado.

 

O mapa variável das massas sob a reprodução das classes se dá por três linhas coexistentes. A primeira é flexível e composta por códigos, linhagens e territorialidades entrelaçadas, segmentação de territórios; composição esta a do espaço social. A outra linha é dura e opera a concentricidade dos círculos em ressonância, o centro de poder, o Estado neste espaço social. O terceiro e último tipo de linhas são as de desterritorialização, de fuga, marcadas por quanta (há sempre nestas linhas algo como uma máquina de guerra). Propõe-se algumas questões: O que vem a ser um centro de poder? Um foco de poder ou um centro de poder podem ser tanto molar quanto molecular? Como estabelecer uma relação entre as minorias, os segmentos moleculares e estes focos de poder? As segmentaridades moleculares podem ser vistas como campos de lutas para as relações de poder?

Cada segmento molar possui seus centros de poder. Um poder centralizado por instituições diversas, poder público ou privado, poder de exército, de Igreja, escola, prisão. Cada segmento flexível, molecular, estabelece relações com centros de poder. Visto que cada centro de poder é igualmente molecular, exercendo-se sobre um tecido micrológico onde ele só existe difuso e disperso, desacelerado e miniaturizado. Os micropoderes ou a análise das disciplinas, arte dos detalhes, atestaram esta característica molecular, nos séc. XVII/XIX, por Michel Foucault em Surveiller et Punir. Definir mais estes focos de enfrentamentos do que as relações entre Estado e cidadãos, ou nas fronteiras entre classes. Identificando inúmeros pontos de enfrentamentos, focos de instabilidade que comportam seus riscos de conflitos, de lutas e de uma inversão transitória, ao menos, das relações de poder ou de força. Sobre esses micropoderes disseminados pela sociedade inteira, na escola, no exército, no hospital, etc.. Nem é mais “o” professor, mas o melhor aluno, o cabulador de aulas, o zelador e nem tanto mais é o general, mas o suboficial, o soldado em mim, o encrenqueiro. Operando-se no detalhe dos detalhes, os centros de poder moleculares agem por segmentaridades finas e flexíveis deslocando-se incessantemente. No entanto, o professor, o general ou o zelador e o suboficial têm nas relações de poder duas faces: molar e molecular.

Mas é nesta microtextura, de certo modo, que os segmentos molares mergulham, o que explica o fato de um oprimido ocupar lugar ativo no sistema de opressão: operários dos países ricos postos a participar ativamente da exploração do terceiro mundo, do armamento das ditaduras, da poluição da atmosfera. As relações entre segmentaridades moleculares e as práticas de poder podem ser vistas através desta microtextura e daqueles micropoderes disciplinares acima citados que agem entre os corpos, inseparavelmente das segmentaridades duras, molares, de classes. Embora sejam nas micro-relações de poder que podem ser abertos os campos de forças, de lutas e de batalhas. É nesta perspectiva que as minorias aparecem, em toda a sua aspereza e atritos, numa tentativa de inversão transitória destas linhas de forças, nestas relações de forças. O que foi o Maio de 68 senão uma tentativa micropolítica dos estudantes universitários em Nanterre e Sorbonne, em proveito de uma inversão das linhas de forças, contra os savoir-faires. Outro movimento micropolítico que pode ilustrar este contexto é a antipsiquiatria e a transformação ou, até mesmo, a propensa extinção das relações de poderes médicos sobre os loucos e o controle bioquímico sobre a loucura. O pensamento incisivo de Haesbaert (2002;p.14-5) convida-nos para uma reflexão acerca das minorias:

 

[...] numa era em que a geofinança [...] volatiliza os espaços na mobilidade pretensamente ilimitada do capital, o espaço nem por isso perde sentido. Ao lado de uma geopolítica global das grandes corporações brotam “micropolíticas” capazes de forjar resistências menores – mas não menos relevantes – em que territórios alternativos tentam impor sua própria ordem, ainda minoritária e anárquica, é verdade, mas talvez por isso mesmo embrião de uma nova forma de ordenação territorial que começa a ser gestada.

 

Como definir uma minoria? Enfatizar estes novos campos de luta minoritários que de certa forma força o estabelecimento de uma constante, a própria maioria (o metro padrão  em que se avaliam estas diversidades minoritárias). “Suponhamos que a constante ou metro padrão seja o homem – branco – masculino – adulto – habitante das cidades – falante de uma língua padrão – europeu – heterossexual qualquer”, assim Deleuze e Guattari (1995; p.52) identificaram que “‘o homem’ tem a maioria, mesmo que seja menos numeroso que os mosquitos, as crianças, as mulheres, os negros, os camponeses, os homossexuais, etc.” ! Define-se uma segmentaridade binária, cuja maioria dos homens (metro padrão) contrapõe-se às mulheres, as classes dominantes e as dominadas, os adultos e as crianças.

De outro modo, uma Geografia que se pretenda Micropolítica, voltada para as lutas ligadas às minorias, deve investigar sempre como se desenvolvem as minorias e o plano majoritário. Se a maioria é aquilo que se compreende no padrão (homem – branco - adulto – habitante das cidades – falante – etc.); a maioria, com efeito, será sempre ninguém, nunca alguém. Um fato majoritário é um fato analítico de ninguém, pois se opõe ao devir minoritário de todo-mundo.  O minoritário é “o devir de todo mundo”, por desviar-se do modelo padrão.

Na tentativa de produzir um binômio T-D, Rogério Haesbaert (1997) produziu uma des-ordem nos enunciados e nos coletivos de enunciação que mais parece uma ‘máquina de guerra’ ou uma ‘captura do fora’, designada por ‘rede gaúcha’. Questiona-se como a ‘rede’ pode ser desterritorializadora, deste modo, como um caráter ‘excludente’ e destruidora de ‘territórios’, como foi compreendida da seguinte forma:

Topologicamente a rede se expressa através de pontos (nós, pólos ou vértices) e linhas (arestas), incluindo aí os fluxos (que podem ser materiais e imateriais) e os suportes (materiais), que podem ser pontos ou ‘antenas’ [...] e linhas ou dutos. Podemos considerar fundamentais na caracterização das redes, a fim de avaliar seu caráter desterritorializador” (p.104).

 

Estes estudos acompanham a proposta de seu artigo “Desterritorialização e Aglomerados de Exclusão” (1993), publicado em 19995 no livro “Conceitos e Temas” (1995).Quando o binômio territorialização – desterritorialização (ou, de modo mais complexo, do trinômio T-D-R), que parte de uma dialética entre desterritorialização (destruição ou exclusão de antigos territórios e/ou des-integração de novos espaços numa rede econômica globalizada, onde predomina a extroversão) e (re)territorialização (formação de novos territórios através de uma reapropriação política e/ou simbólica do espaço, incluindo aí a conjunção de redes de caráter mais local e centrípetas): “tentando se opor à modernização consumista através da reconstrução de identidades culturais e fundamentalismos (religiosos e étnico-nacionalistas) que buscam uma espécie de reterritorialização neocomunitarista, muitas vezes ultraconservadoras” (p.112).  Como as frequentes catástrofes e desastres naturais na região sul do Brasil pôde ser prováveis, por exemplo, no Estado de Santa Catarina no período de 1980 a 2007? Conforme Haesbaert (1997) trata-se de um modo de ‘determinismo da natureza’ de ‘causalidade simples’:

A relação entre natureza e cultura não pode, portanto, ser representada em termos de causalidade simples. [...] o que implica ao mesmo tempo uma causalidade seqüencial (objetiva) e projetiva (metafórica). [...] o ‘determinismo da natureza’ [...] não deve ser visto simplesmente como uma leitura superada, sem sentido. Ele revela, no mínimo, a capacidade que tem o homem de, a partir de sua relação [...] com o ‘meio’ [...] criar símbolos que acabam por (re) definir a sua própria identidade (p.57).

Como o Atlântico Sul não pode ocasionar fenômenos como furacões, se faz parte de um ‘determinismo geofísico’, especificamente definido climaticamente? A despeito de um tornado em 1999 em Joinville e de um furacão, em 2004, o ‘Catarina’, principalmente, das tempestades de 2008 em Santa Catarina. Dentro das possibilidades, esse período foi antecedido pelos anos mais quentes 1977-1998 e marcou um período em que a superfície do mar, entre 1999-2007, teve a sua superfície alternando de temperatura em cada período, mais quente e mais fria, sob a influência dos El Niños e La Niñas, no Pacífico, na costa do Equador e Peru.


Para compreender essa impossibilidade de furacões no Hemisfério Sul e destacar essas anomalias climáticas nos períodos de maior resfriamento das águas do oceano (La Niña), isto se distingue no Hemisfério Norte. A primeira possui uma maior influência maritimidade e da segunda da continentalidade, porquea percentagem de terras emersas no norte é maior do que no sul do planeta.

Se o calor específico da água é maior do que o da terra, isto é, a medida da capacidade de retenção de calor, isto é, a água retém calor mais tempo e demora mais para irradiar a energia absorvida – os continentes esfriam com maior rapidez quando a incidência de luz solar diminui.

Enfim, se os oceanos demoram mais para aquecer do que os continentes, então haverá gradientes de pressão e de temperatura, um diferencial próprio para a formação de ciclones. Artur Gonçalves Ferreira em “Meteorologia Prática”: “o ar sobre as regiões aquecidas sobe e, sobre as regiões resfriadas, desce. Com isso, a pressão tende a ser baixa nas regiões onde o ar se eleva, e alta onde o ar desce. Essas diferenças horizontais de pressão são chamadas de gradientes de pressão” (p.83). Ao distinguir os tipos de fenômenos climáticos demarca a diferença entre: “os furacões ciclones tropicais que ocorrem no oceano Atlântico e nas partes leste e central do Pacífico, enquanto os tufões são originários do oeste do oceano Pacífico. Ciclone descreve uma tempestade tropical que se forma no Oceano Índico ou próxima da Austrália” (p.151).

Para a formação de ciclones, furacões é necessário uma superfície marítima a 27°C de temperatura, mas nos períodos da La Niña, resfriamento, principalmente das águas oceânicas isto seria improvável. Em períodos de El Niño, os oceanos demorariam mais para se aquecer do que os continentes, o que também impossibilitaria essas áreas do sul do Atlântico, por serem mais determinadas pela maritimidade?

De que maneira definir as ocorrências de fenômenos climáticos, como os ocorridos no sul do Brasil desde 1999 até 2008, período em que as águas dos oceanos estavam mais frias? Se nas águas do sul, por causa da maritimidade, o papel dos seres humanos seria aquecê-las independentemente dos períodos de resfriamento ou aquecimento? Afinal a linha do Equador demarca áreas de baixa pressão, mais quentes e com calor específico maior, por ser territorial, no caso do Brasil. Se não pensássemos apenas em determinações naturais sobre o clima, como pensar em intervenções antrópicas no espaço aberto dos mares, em atividades industriais e militares submarinas? A ‘Desterritorialização’, de fato, não se refere senão apenas às ‘redes’ e ao setor informacional o que pode produzir ‘erros’, segundo a ‘teoria do caos’, em termos meteorológicos: o ‘efeito borboleta’.

Um pequeno desvio nas condições iniciais tem efeitos consideráveis ao longo prazo. Assim apresenta-se a sensibilidade às condições iniciais. Edward Lorenz deu uma imagem a esse efeito que batizou de ‘efeito borboleta’: uma pequena perturbação, da intensidade do bater de asas de uma borboleta, pode um mês depois ter um efeito considerável como o desencadeamento de um ciclone (ou até mesmo o contrário, o fim de uma tempestade), em razão de sua amplificação exponencial, que age sem cessar enquanto o tempo passa. O ‘efeito borboleta’ foi descoberto por E. Lorenz quando introduziu involuntariamente um pequeno erro inicial ao refazer seu cálculo e compreendeu que esse erro crescia exponencial à medida que o cálculo prosseguia, até chegar, a um nível em que os resultados mudavam radicalmente. Assim Lorenz descobria o efeito da sensibilidade às condições iniciais.

Ávido por recomeçar com mais detalhes um cálculo particularmente longo, E. Lorenz o recomeçou, mas não desde o começo, para ganhar tempo, ele introduziu os valores das variáveis (temperatura do ar, velocidade do vento, relação da altitude com a temperatura) que havia obtido, desse modo, aparecer a surpresa, segundo Monteiro (2011:32):

A dependência sensível das equações da circulação atmosférica ficou conhecida como efeito borboleta. (...) Lorenz queria divulgar seus resultados, mas não estava satisfeito com seu sistema de 12 equações. (...) Lorenz notou que os valores de 4, das 7 variáveis, logo se tornavam muito pequenos, e ficou curioso para saber se o sistema formado apenas pelas outras 3 variáveis também exibiria comportamento aperiódico. (...) O sistema de Lorenz é formado pelas equações:

dX/dt = ƒ 1 (X, Y, Z) = - σX + σX

dY/dt = ƒ 2 (X, Y, Z) = ɼX – Y – XZ

dz/dt = ƒ 3 (X, Y, Z) = XY – bZ

 

(...) A variável X (t) é proporcional à intensidade da convecção: X = 0 implica que não há movimento convectivo, ou seja, o calor é transportado apenas por condução; X > 0 implica circulação horária e X < 0, circulação anti-horária. A variável Y (t) é proporcional à diferença de temperatura entre as correntes ascendente do fluido. A variável Z (t) é proporcional à distorção do perfil vertical da temperatura, em relação ao perfil linear. Por exemplo, para Z = 0, a temperatura decresce linearmente, conforme se sobe pelo eixo-z, do seguinte modo:

X

O atrator do sistema de Lorenz para σ = 10, ɼ = 28  e b = 8/3. Ao cabo de pouco tempo os valores encontrados não tinham mais nenhuma relação com os objetos durante o cálculo precedente. A máquina calculava corretamente, no entanto, Lorenz não se enganara ao introduzir os valores. Acontece que as verdadeiras equações da circulação atmosférica não podiam deixar de apresentar mesma sensibilidade às condições iniciais, o que deveria tornar impossível qualquer predição em longo prazo. Como se ele tivesse ganhado o seu desafio de compreensão de imprevisibilidade atmosférica: dado o enorme número de perturbações, próprios da meteorologia, por mínimas que pareçam, nem por isso são controladas. Ou seja, se ocorrer o menor erro de observação, o tempo previsto para uma semana mais tarde será completamente mudado.

Encontra-se uma descrição semelhante sobre o ‘efeito borboleta’ em “Dos ritmos ao caos” de Pierre Berge, Yves Pomeau e Monique Dubois-Gance, em que a presença dessa sensibilidade às condições iniciais não deve fazer que se assimilasse o comportamento de um tempo meteorológico ao do ‘caos’ (de tão pequeno o número de variáveis). Existe uma dupla diferença: trata-se de um lado, de uma ‘dinâmica espaço-temporal’, ao passo que, nos ‘modelos do caos’ propriamente ditos, trata-se de evoluções puramente temporais, nas quais a ‘estruturação espacial’, se existir, será mantido ao longo do tempo, de outro lado, o número de variáveis de um ‘modelo meteorológico’ é consideravelmente alto para ser comparado aos três ou quatro dos ‘modelos clássicos de caos’. Neste caso, a meteorologia só inspirou um dos mais célebres ‘modelos de caos’: o ‘modelo de Lorenz’.

Como relacionar o desprezo às latitudes a essa evolução puramente temporal do ‘modelo de caos’ meteorológico de Lorenz? Uma vez reconhecida essa diferença entre tempo e caos com o modelo espaço-temporal d meteorologia em que medida supor as consequências ou catástrofes meteorológicas a partir das aplicações de tal modelo caótico? Por exemplo, o de Lorenz que está em questão.

Os sistemas caóticos são um exemplo de instabilidade, um ‘sistema instável’, porque as trajetórias correspondentes a condições iniciais, tão próximas quanto quisermos, divergem de maneira exponencial ao longo do tempo. Fala-se, portanto, da ‘sensibilidade às condições iniciais’; ilustrada na parábola da borboleta: ‘a batida de asas de uma borboleta na bacia do Amazonas pode afetar o tempo que fará nos Estados Unidos’, conforme Ilya Prigogine em “O Fim das Certezas”. No ‘efeito borboleta’ – para pequenas condições meteorológicas, qualquer previsão perde o valor rapidamente – os erros e as incertezas se multiplicam formando um efeito de cascata ascendente através de uma cadeia de aspectos turbulentos, que vão dos ‘demônios da poeira’ e tormentas até redemoinhos continentais que só os satélites conseguem ver.

De todo modo, se o tempo chegasse alguma vez a um regime exatamente como o atingido antes, em que todos os ventos e nuvens fossem os mesmos, então se presume que ele se repetiria para sempre e o problema da previsão se tornaria trivial. No entanto, se parássemos apenas no ‘efeito borboleta’, uma imagem da previsibilidade seria substituída pelo menor acaso. Acontece que Lorenz, mais do que isso, em seu ‘modelo de tempo’, ele viu uma ‘ordem mascarada’ de aleatoriedade. Percebe-se que uma cadeia de acontecimentos pode ter um ponto de crise que aumenta pequenas mudanças, perceptível tanto na vida quanto na ciência. Mas o ‘caos’ significa que tais pontos estejam por toda parte, generalizados, em sistemas como o ‘tempo’, onde a dependência sensível das condições iniciais era consequência inevitável da maneira, pela qual as pequenas escalas se combinavam com as grandes.

Dependência sensível às condições iniciais foi o nome técnico que o ‘efeito borboleta’ recebeu, segundo James Gleick em “Caos”. De que modo, então, reafirmar a relevância dos estudos sobre o tempo produzidos por Lorenz no que se refere à ‘dependência sensível às condições iniciais’? Antecipa-se em informar que a intervenção do homem na natureza se baseia cada vez mais à sensibilidade das condições iniciais em um ‘sistema do tempo’. Existe possibilidade de um sistema dinâmico, como o tempo, ignorar à espacialização do homem, à localização de suas práticas (industriais, de sobrevivência, etc.)? De que forma substituir as asas da borboleta pelos atos humanos, como causadores de ‘tornados’ no Texas?

Como foi possível que, conhecendo as equações da circulação atmosférica, bem como as condições iniciais, não se conseguisse prever com um grau de confiabilidade razoável o tempo que faria alguns dias mais tarde? Essa foi uma questão que intrigava Edward Lorenz, professor de ciências da atmosfera no Massachussets Institute of Technology. Para isso ele simplificou (‘erro’?) consideravelmente as equações da circulação atmosférica, a fim de obter para elas uma solução numérica confiável e rápida, com os computadores que dispunha na época. Em suma, Lorenz escreveu as ‘equações simplificadas’ da ‘convecção térmica’ de Rayleigh-Bérnard: o ar aquecido se resfria na alta atmosfera, torna a descer, e o ciclo se repete ao infinito. Foram realizados estudos sobre as reações químicas oscilantes e os escoamentos hidrodinâmicos ligados ao ‘fenômeno de convecção’, de Rayleigh-Bérnard.

Sobre o fenômeno de convecção são gerados turbilhões por um gradiente de temperatura, como no núcleo ou no manto terrestre, mas em laboratórios os líquidos utilizados são menos viscosos e as geometrias mais simples: o fato de um comportamento turbulento ser atribuído a um ‘caos’ de poucas variáveis: chocava muitos especialistas em mecânica dos fluídos, de acordo com Pierre Bergé, Maurice Pomeau e Monique Dubois-Gance em “Dos Ritmos ao Caos”. O ‘modelo simplificado’ que Lorenz propôs a partir daí faz intervirem apenas três variáveis. Simplificado dessa maneira, prevê-se que esse modelo será muito útil para previsões atmosféricas reais. Esse ‘modelo simplificado’ de Lorenz, no entanto, possui os ingredientes necessários para ser representativo de movimentos atmosféricos, num caso extremamente particular. As três variáveis do modelo são, portanto, a temperatura (do ar), a velocidade (do vento), a dinâmica (que a temperatura varia com a altitude). Lorenz acabou reduzindo o tempo atmosférico aos ‘elementos essenciais’? Não obstante, os ventos e as temperaturas dos resultados impressos pelo seu computador pareciam se comportar de uma maneira reconhecível realidade.

Os ventos correspondiam a sua intuição, sua sensação de que o tempo repetia, ou seja, revelando padrões reconhecidos: pressão aumentando e caindo, as correntes de ar oscilando entre norte e sul. Mas as repetições nunca eram perfeitamente iguais, isto é, havia um padrão, mas com alterações, enfim, uma desordem ordenada.

Edward Lorenz usou um sistema de equações puramente determinista: dado um determinado ponto de partida, as condições meteorológicas se desenvolveriam exatamente da mesma maneira, a cada vez; mas dado um ponto de partida ligeiramente diferente, o tempo se desdobraria de uma maneira ligeiramente diferente. Dado às devidas proporções, os ‘erros’ no ponto de partida no sistema específico de Lorenz mostravam-se catastróficos.

Um tipo específico de movimento dos fluidos inspirou as ‘três equações de Lorenz’: a ascensão do gás ou líquido quente conhecido como ‘convecção’. Na atmosfera, a convecção agita o ar aquecido pela terra banhada de sol e ondas de convecção sobem como fantasmas acima do asfalto e dos radiadores quentes. E. Lorenz tinha a mesma satisfação em falar sobre a convecção numa xícara de café quente: ‘este era apenas um dos inumeráveis processos dinâmicos em nosso universo cujo comportamento futuro gostaríamos de prever’, como dizia Lorenz. Se o café estiver morno, seu calor se dissipará sem qualquer movimento hidrodinâmico, mas, se estiver quente o bastante, uma rotação convectiva (propagadora) levará o café quente do fundo da xícara para a superfície mais fria: como o calor se dissipa e o atrito retarda o fluido em agitação, o movimento terá que parar, inevitavelmente. As equações do movimento que governam uma xícara de café que se esfria devem, portanto, refletir o destino do sistema – devem ser dissipantes. A temperatura deve pender para a temperatura do ambiente e a velocidade para zero, em “Caos” de James Gleick. E. Lorenz tomou uma série de equações para a convecção e reduziu-a ao essencial eliminando tudo o que pudesse ser irrelevante, tornando-a de uma simplicidade pouco realista.  Quase nada do modelo originou permanecer, mas ele deixou a ‘não-linearidade’.

O tipo mais simples de convecção mostrado nos manuais ocorre numa célula de fluido: uma caixa com um fundo liso que pode ser aquecido e uma tampa lisa que pode ser resfriada. A diferença de temperatura entre o fundo quente e a tampa fria controla o fluxo Se a diferença é pequena, o sistema permanece estável. O calor se movimenta para o alto pela condução, como acontece numa barra de metal, sem superar a tendência natural do fluido a permanecer em repouso. Além disso, o sistema é estável.

Aumenta-se o calor e um novo comportamento se manifesta, assim, o fluido do fundo se expande quando esquenta. Ao se expandir, torna-se menos denso – torna-se mais leve o suficiente para superar o atrito, assim sobe para a superfície. Destaca-se que numa caixa projetada, com uma rotação cilíndrica (‘rolagem de um fluxo’), o fluxo quente sobe de um lado e o fluxo frio desce exatamente para o outro. Visto de lado, o movimento faz um ‘círculo contínuo’, mas fora do laboratório a natureza fez com frequência também esse movimento em suas ‘células de convecção’. O sol que esquenta o chão de um deserto, por exemplo.

Aumenta-se o calor ainda mais e o comportamento se torna mais complexo: os movimentos ondulatórios começam a oscilar, mas as equações de Lorenz eram muito simples para criar um modelo desse tipo de complexidade. Essas equações abstraíam um aspecto da convecção no mundo real: o movimento circular do fluido quente elevando-se como uma roda gigante. As equações levavam e conta, entretanto a velocidade desse movimento e a transferência de calor.

Se o círculo girava suficiente, para J. Gleick em “Caos”,a bola de fluido não tinha perdido todo o seu calor extra no momento em que chegava ao alto e começava a descer novamente pelo outro lado, assim começava a pressionar contra o impulso do outro fluido quente que vinha atrás dela.

Muitos afirmam que as condições meteorológicas da terra poderiam estar num ‘atrator estranho’. E. Lorenz anexou, em seu artigo de 1963 sobre o caos determinista, o “Deterministic Dynamical Systems”, um desenho com apenas duas curvas à direita, uma dentro da outra, e cinco à esquerda: um ponto movimentando-se ao longo dessa trajetória no espaço de fase, em torno desses sete loops, ilustrava a rotação lenta e caótica de um fluido, modelado pelas três equações de Lorenz para a convecção. Esse ‘atrator’ ficava num espaço de fase tridimensional, afinal esse sistema tinha três variáveis independentes. Assim, Lorenz pode ver uma espécie de espiral dupla, como um par de asas de borboleta, interligado com infinita habilidade. Esses loops e espirais eram infinitamente profundos, nunca se juntando totalmente nem se cruzando, entretanto permaneciam dentro de um espaço finito, confinado por uma caixa. Quando o calor crescente do sistema empurrava o fluido numa direção, a trajetória permanecia ao lado direito, mas, quando o movimento rotativo parava e se invertia, a trajetória oscilava para a outra asa. Enfim, o atrator era estável, de baixa dimensão e não-periódico.

O atrator estranho vive no espaço de fases, uma das invenções mais relevantes da ciência moderna. Traçada no espaço de fases (ou das variáveis), a sequência dos valores assumidos por essas variáveis define uma trajetória que se enrola sobre um curioso objeto de dois lóbulos. Esse objeto, que tem um volume nulo não é uma mera superfície, mas uma infinidade de falhas (muito juntas uma das outras): estava descoberto o primeiro ‘atrator estranho’, como em “Dos Ritmos ao Caos”, de Pierre Bergé, Monique Dubois-Gance e Yves Pomeau. No espaço de fase o conhecimento total sobre um ‘sistema dinâmico’ – Ilya Prigogine em “O Fim das Certezas” definiu os sistemas dinâmicos estáveis (pequenas modificações das condições iniciais produzem pequenos efeitos) dos instáveis (modificações se amplificam ao longo do tempo) – num instante único do tempo resume-se a um ponto. Esse ponto é o ‘sistema dinâmico’ – naquele instante, porém, no instante seguinte o sistema terá se modificado, mesmo que seja levemente e assim o ponto se mexe. O histórico do tempo do sistema pode ser registrado num gráfico pelo ponto móvel, traçando-se sua órbita pelo espaço de fase com a passagem do tempo. Pode-se imaginar, conforme J. Gleick em “Caos”, um ‘atrator estranho’ dando voltas e zumbindo ante seus olhos, com órbitas que vão para cima e para baixo, para a esquerda e para a direita, para frente e para trás. Como o sistema nunca se repete exatamente, a trajetória nunca se cruza, em lugar disso, faz loops circulares.

Três equações, com três variáveis, descreviam totalmente o movimento desse sistema. O computador de Lorenz imprimiu os valores instáveis das três variáveis: 0-10-0; 4-12-0; 9-20-0; 16-36-2; 30-66-7; 54-115-24; 93-192-74. Os três números subiam e desciam enquanto intervalos imaginários de tempo passavam, cinco intervalos, cem, mil intervalos. Lorenz usou cada grupo de três números como coordenadas para especificar a localização de um ponto no espaço tridimensional: a sequência de números produziu uma sequência de pontos que traçavam uma linha contínua de pontos que traçavam uma linha contínua, um registro do comportamento do sistema. O ‘mapa’ mostrou uma espécie de complexidade infinita, ou seja, ficava sempre dentro de certos limites, nunca saindo da página, mas nunca se repetindo: traçava uma forma estranha, uma espécie de espiral dupla em três dimensões, como uma borboleta com as duas asas. A forma assinalava a desordem pura, já que nenhum ponto ou padrão de pontos jamais se repetir, não obstante também assinalava um novo tipo de ordem. A misteriosa curva traçada ao final, a dupla espiral que se tornou conhecida como ‘atrator de Lorenz’.

Os atratores dos regimes estacionários (ponto fixo) e periódico (ciclo limite) são tais que as trajetórias neles convergem de maneira monótona Como as trajetórias oriundas de diferentes pontos do espaço das fases ali convergem? Primeiramente, essas trajetórias estão submetidas a vínculos à primeira vista contraditórios. Ao considerar a existência do caos indiscernível, a própria ‘sensibilidade às condições iniciais’ implica uma divergência de trajetórias vizinhas, divergência que lhes confere evoluções independentes, não-correlatas, dessemelhantes. Como o sistema é dissipativo, entretanto, todas as trajetórias devem convergir para o ‘atrator’ que se busca compreender. Para conciliar essas duas exigências contraditórias: a divergência deve se realizar numa direção do espaço das fases e a convergência numa outra.

Apreende-se da geometria do atrator a evolução de um conjunto de condições iniciais (posição, velocidades) situadas no interior de um retângulo, por exemplo, no caso do pêndulo simples oscilante e de seu atrator ciclo limite: o retângulo contrai-se pari passu com a evolução até tornar-se um segmento – um arco de elipse. No espaço das fases, tridimensional, a trajetória será errática, mas recordará do ciclo limite ‘fantasma’: errando de maneira até complexa, mas na vizinhança desse ciclo limite, a trajetória continuará, em média, funcionar.

Considere-se, no caso do atrator do regime periódico, um conjunto de condições iniciais situadas num retângulo do espaço das fases. A convergência para o atrator (devida à dissipação que acarreta uma contração da área) e divergência das trajetórias (SCI) devem agora coexistir. O retângulo vai ser esticado numa direção (SCI) e achatado (contração) na outra. O necessário alongamento do retângulo não pode se realizar sem que haja um dobramento simultaneamente para continuar ainda nesse volume limitado. Com isso, ao final de uma volta, o retângulo ter-se-á transformado numa ferradura. Com a tríplice operação de alongamento (dobramento e contração contínua) a se realizar, na segunda volta, essa ferradura será o corte de um objeto complexo: o atrator caótico, constituído de uma infinidade de folhas. Trajetórias sob uma série de alongamentos e de dobramentos sucessivos que produzem uma evolução em ferradura sob uma contração permanente.

Deduz-se, pois, o princípio de formação de um ‘atrator estranho’: [a] os pontos iniciais estão contidos num retângulo qualquer, por exemplo, ABCD. Durante a evolução, essa superfície que contém os pontos é alongada, dobrada, realongada e redobrada até formar um conjunto folheado muito complexo; [b] primeiras etapas da evolução do retângulo cujo corte é representado à direita. Manifestam-se semelhantes etapas de construção de um conjunto de Cantor.

Nos procedimentos da ‘poeira de Cantor’ não se precisa dispor de uma série de pontos equidistantes ao longo dos objetos, os pontos a enumerar são os que constituem a própria ‘poeira’ objeto ao longo do método de fabricação do objeto. Diante de uma infinidade de pontos, a ‘dimensão D’ não será nula, mas a presença de ‘buracos’ no objeto fará que o número de pontos contidos nas esferas de contagem aumente menos rapidamente do que no caso da reta que, por seu lado, não tem buracos. A dimensão da poeira de Cantor está compreendida entre 0 e 1. ‘Flocos de Neve’: estranho objeto que não é uma superfície nem tampouco uma linha, tem um perímetro infinito; não se recorta e se mantém numa espaço limitado. De fato, “o espaço-rede é, paradoxalmente, um espaço de conectividade/integração e de distúrbio e descontrole no que se refere À organização espacial’, pelo simples fato de que não existe a pura ‘ordem’” (Haesbaert, 1997:259). Des-controle ou des-ordem não parecem estranhas à leitura de mundo ou descrição geográfica de Haesbaert em artigos e livros frequentes tais como: “O Mito da Desterritorialização”: do fim dos territórios à multitrritorialidade’ (2004), “A nova Des-Ordem Mundial” (2006), “Muros, campos e reservas: os processos de reclusão e ‘exclusão’ territorial” (2006) e “Sociedades biopolíticas de in-segurança e des-controle dos territórios” (2008).

Durante a década de 1980, entre 1987 até 1998 no Departamento de Geografia (UFF) o debate transdisciplinar do território (múltiplas dimensões) tornou-se uma coletânea com alguns artigos sobre a temática modernidade/pósmodernidade, na introdução de “territórios alternativos”, Haesbaert (2002), num artigo publicado no Jornal do Brasil em 21 de março de 1987, interessou-se pela distinção entre território e ‘espaço liso’ de Félix Guattari, ‘nômade, o da máquina de guerra’. O processo de territorialização quando antecipa a desterritorialização e procede por reterritorialização produz um determinismo e impõe uma espécie de ‘desordem’, enfim, Christofoletti (2010) assinalou que:

Lorenz percebeu que essa aleatoriedade continha ordem, pois era produzida a partir de um sistema determinístico simples. [...] haveria um Princípio de Aumento da Ordem (PAO) ligado à noção de atrator imaginada por Lorenz, o qual amenizaria o ‘Efeito Borboleta’ – os sistemas seriam então atraídos para um limite do qual eles não passam, em contraposição ao Princípio de Aumento da Desordem (PAD) (p.95-6).

Ainda pensa-se que a “[...] reterritorialização (termo nosso) – na forma de gangues e guetos, por exemplo, como meio alternativo de sobrevivência e afirmação social” (p.104), nesta inversão entre a T-D-R, na obra de Deleuze e Guattari em “O Anti-Édipo”. O que é a reterritorialização no processo de produção capitalista esquizofrênico senão o “Sistema do Terror (a lei)”. Distingue-se neste ‘regime significante’ o ‘corpo do Déspota e seu Deus’, para compreendermos o que pode ser definido então, em sentido estrito, no livro de Samuel Huntington como “Choque de Civilizações” de ‘Fundamentalismo’. Antes disso, percebe-se o que seria o ‘significante-despótico’.

 

 

 

 

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[1] Se a ‘desterritorialização’ e a ‘descodificação’ estão intimamente relacionada à letra elétrica esquizofrênica, como a Al-Qaeda pôde estar ligada a esta esquizofrenia senão através do nomadismo e do ‘truque de Himmler’, que produziu a migração de judeus para Israel: “Um exemplo muito interessante para ilustrar ao mesmo tempo a configuração de territórios-rede e a diversidade de modos de organização espaço-territorial (...) é o que nos é oferecido pela espacialidade da rede terrorista Al-Qaeda, que muitos consideram uma entidade ‘desterritorializada’” (Haesbaert, 2004:301).
[2] Stockinger (2007) em “A Reforma Psiquiátrica Brasileira” (2007) designa por circunvisão e transparência: “Heidegger procura desvelar o sentido do ser a partir da cotidianidade, da existencialidade da existência humana. (...) circunvisão, conceito que exprime o fato de a construção do mundo cotidiano das ocupações não ser cego, mas guiado por uma visão de conjunto. Três aspectos são importantíssimos na circunvisão. A consideração (...). A tolerância (...). há a transparência, que remete para a força e a ação penetrante da visão que permite não apenas perpassar obstáculos diferentes, como possibilita a integração respeitosa de uma visão de conjunto” (p.81).
 
[3] “Nesta perspectiva, o organismo funciona de forma a auto-organizar-se na relação com o meio constantemente, buscando ora satisfazer suas necessidades por falta, ora crescer. (...) Seria a natureza dos processos que chamamos de vida. Diferentemente da cibernética de primeira ordem, que estabelece importância de primeira ordem, que estabelece importância apenas na conservação. Nesta perspectiva, é a cibernética de segunda ordem que aqui mais nos interessa e se aproxima também dos conceitos de Maturana, que tenta explicar como os sistemas passam por mudanças em sua organização, deixando de ser máquinas triviais para ser vistos como sistemas auto-organizadores, como os sistemas humanos e sociais. Aqui cabe a referência a Von Neuman (...) que buscou destacar diferenças entre sistemas naturais e os artificiais. (...) de acordo com a mecânica quântica não existe objetividade. Não podemos eliminar a nós mesmos da cena. Somos parte da natureza e quando a estudamos não se trata de outra coisa que a natureza estudando a si mesma. A física chegou a ser um ramo da psicologia, ou talvez o contrário. Ou seja, não há aí divisão entre observador e observado em ciências humanas, sendo que ambos se influenciam constantemente. Quando um organismo interage com qualquer interage com qualquer aspecto do ambiente (...) sua resposta é sua organização ou estrutura. Aconteceria aí o acoplamento estrutural. Conjugando tal visão com a cibernética de segunda ordem, no conceito de autopoise, os sistemas auto-organizadores adquirem sua ordem selecionando elementos úteis para sua estrutura a partir da desordem ambiental” (Stockinger, 2007:92).
 
[4] “Em suas pesquisas sobre a artilharia aérea ele se interessou particularmente pelo princípio que a engenharia de controle denomina de feedback. Basicamente, esse princípio consiste em realimentar o sistema com as informações sobre o próprio desempenho realizado a fim de compensar os desvios em relação ao desempenho desejados” (Kim , 2007:201).
 
[5] “Je est um autre”. Eu sou um outro. Arthur Rimbaud apud Quasha e Stein. Projeção – O espaço do Grande Evento. In: HILL, Gary. O Lugar do Outro. São Paulo:  MASP/SP, 1997, p. 44. Rimbaud, numa carta visionária a seu mestre diz: Eu sou um Outro. O poeta Robert Duncan (1919-1987) citou o comentário numa palestra, por volta da década de 1960
 

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